Extra! Extra! Tentaram matar o Lacerda!
Por Lucas Mendes
Não é de hoje que atentados mudam os rumos políticos da
República. Seja um atentado à faca ou por tiros, fato é que seus alvos sempre
ganham destaque e poder de causar uma reviravolta de grandes proporções.
Rua Tonelero, dias atuais |
Neste
dia 5 de agosto completa-se 65 anos do chamado "atentado da rua
Tonelero", um episódio cheio de dúvidas e controvérsias que culminou com o
suicídio do então presidente Getúlio Vargas 19 dias depois.
Carlos Lacerda, deputado federal e ferrenho opositor de Getúlio voltava de um comício na madrugada do dia 5 de agosto de 1954 acompanhado de seu filho de 15 anos e do Major da Aeronáutica Rubens Vaz no n° 180 da rua Tonelero em Copacabana quando vários tiros são disparados em sua direção. O major é atingido no peito
fatalmente e Lacerda supostamente no pé.
Lacerda
carregado por oficiais
militares, 5 de agosto de 1954
|
Carlos Lacerda era filiado a UDN, partido de ferrenha
oposição à Getúlio e com uma íntima ligação com a Aeronáutica, tanto que o
major Rubens Vaz teria se oferecido para fazer a guarda de Lacerda. Ligação tão
íntima a ponto de Getúlio preferir à sua guarda pessoal (uma espécie de
milícia) às forças armadas para fazer a sua segurança.
A
manhã que se seguiu ao suposto atentado foi de intensa movimentação e por
curiosa coincidência o primeiro jornal a noticiar o ocorrido foi o Diário
Carioca do também coincidente amigo pessoal e vizinho de Carlos Lacerda Armando
Nogueira que relatou ter visto Lacerda desviar de seis tiros. Também pela foto
que serviu como símbolo deste episódio: Lacerda com o pé engessado carregado
nos braços por oficiais fardados.
Um
guarda municipal também atingido no ataque anota a placa do táxi em que fugiram
os autores do disparo que se apresenta mais tarde como sendo Nelson Raimundo de
Souza. O caso começa a tomar grandes proporções quando a investigação chega à
Climério Euribes que teria contratado o pistoleiro Alcino para executar Carlos
Lacerda e Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente.
A
Aeronáutica assume a investigação em 8 de agosto, mesmo dia em que Gregório
confessa participação no crime e inicia-se um inquérito militar que ficou
conhecido como República do Galeão, o que deixava o então presidente atordoado
por saber que a investigação estava sendo conduzida por militares próximos à
UDN e automaticamente à Lacerda.
A
preocupação não era sem motivo, já que na caça a Climério foram mobilizados
mais de 200 homens armados, helicópteros e aviões e envolveu 4 estados: Rio de
Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul.
A
investigação chegou também a movimentações financeiras envolvendo Gregório e um
dos filhos do presidente Lutero Vargas. Lutero teria vendido uma fazenda para
Gregório tendo João Goulart como avalista, deixando a pressão sobre o Palácio
do Catete ainda maior.
Gregorio
Fortunato em
entrevista ao Jornal Última Hora em 14 de
dezembro de 1954
|
As inúmeras pontas soltas neste caso sempre o deixaram envolto
em uma neblina densa de desconfiança. O prontuário que atestaria o tiro no pé
de Lacerda sumiu, o major que fazia a sua guarda estava ironicamente desarmado,
Lacerda deu inúmeras versões sobre o atentado e o inquérito foi concluído mesmo
com inúmeras controvérsias. Além é claro da entrevista de Gregório que deixava
uma suspeita no ar sobre quem o interrogou:
Essa
gente limpa, tão limpa que continua mentindo contra um homem bom que morreu,
essa gente diz que eu sou sujo e que os “gregórios” são uns sujos. Mas se eu
tivesse feito a sujeira que os brancos limpos do Galeão queriam que eu fizesse,
dizendo a mentira que eles queriam que eu dissesse contra o Presidente Vargas,
agora todo este pessoal que está doido para arrebentar os “gregórios” estaria
espalhando que eu era um santo. Botariam que eu não tinha culpa, que eu era um
anjo e me chamariam até de branco. Se o senhor deseja ouvir mais coisa,
entreviste meu advogado que eu não sei falar bonito”
Getúlio Vargas |
Com toda a pressão sobre seu governo Vargas suicidou-se em
24 de agosto de 1954 contornando um golpe militar que se avizinhava e
tornando-se um mártir popular.
Alcino
foi condenado a 33 anos de prisão, Gregório a 25 sendo assassinado na prisão em
1962, assim como Climério condenado a 26. Nelson Raimundo o motorista do táxi
foi condenado a 11 anos.
Este
episódio tão controverso e tão cheio de intrigas políticas nos traz à reflexão
de que nem atentados suspeitos nem movimentações financeiras atípicas
envolvendo filhos do presidente são novidades na República.
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