A minha é maior que a sua
Por Lucas Mendes
Desde os romanos que grandes construções, estradas e
monumentos são usados como símbolos de vaidade e poder. Na história do
Brasil não faltaram governantes dispostos a superar seus antecessores mesmo que
para isso fosse preciso desalojar pessoas e destruir o patrimônio histórico.
Em 1904, inspirado pelo movimento higienista e de
restruturação urbana que acontecia em Paris o prefeito da cidade do Rio de
Janeiro, Francisco Pereira Passos, deu início a maior reforma urbana da cidade
até então. E a mais ousada obra dessa empreitada era sem dúvidas a construção
da Avenida Central que ligaria o novo porto da cidade (atual Praça Mauá) com o
Bairro da Glória.
A nova avenida demorou seis meses para ser aberta de ponta a
ponta passando por cima de 300 casarões históricos em estilo colonial. A
maioria ocupados por trabalhadores e imigrantes que chegavam aos montes no
começo do século XX no Rio de Janeiro.
Avenida Central (antes e depois) |
A avenida foi inaugurada oficialmente em 15 de novembro de
1905 e causou um processo de gentrificação até então inédito na cidade, pois as
famílias desocupadas se viram obrigadas a se mudar para os subúrbios e a ocupar
os morros como o da Providência, São Carlos e Santo Antônio, até então pouco
habitados. É importante ressaltar que mesmo após a
sua inauguração, apenas as fachadas dos edifícios estavam prontas (devidamente
escolhidas em concurso e projetadas por grandes arquitetos da época como Heitor
de Melo, Gabriel Junqueira e Ramos de Azevedo), o que diz muito sobre as elites
cariocas que por sinal adoram uma boa fachada.
Essa reforma urbana e sanitária que em 4 anos transformou
toda a cidade do Rio de Janeiro foi sem dúvida a maior obra da dita República
Velha (1889-1930) e é óbvio que Getúlio Vargas e seu Estado-Novo não ficariam atrás
nesse quesito nem usariam o plano urbanístico deixado por Pereira Passos.
Getúlio Vargas (4º); e Henrique Dodsworth (5º). Rio de Janeiro, RJ |
Vargas precisava de uma obra faraônica que se
tornasse símbolo de seu governo e para isso extrapolou todos os limites
possíveis, atropelando tudo que estivesse no caminho do seu projeto.
Promoveu-se então um bota-abaixo muito maior que o visto 37
anos antes, com a demolição de igrejas históricas, o Paço Municipal, um trecho
do Campo de Santana e a Praça Onze que era reduto do samba e da boemia popular da
época. A avenida com 4km de extensão e 80 metros de largura teve um custo de
270 mil contos de réis e foi entregue no tempo recorde de 3 anos sendo inaugurada no dia 7 de setembro de 1944.
Avenida Presidente Vargas (antes e depois) |
A maior parte das famílias desalojadas não recebeu a devida
indenização e novamente os morros receberam inúmeras famílias de trabalhadores
que já não podiam mais morar no centro da cidade, acentuando a desigualdade
social que já era latente.
O legado destas duas grandes intervenções urbanas no Rio de
Janeiro é sem a menor sombra de dúvidas um trauma histórico e social já que em
nome do "progresso" se passou por cima de tudo e de todos (com “todos”
leia-se trabalhadores). E enquanto o interesse econômico estiver acima do
interesse público haverá sempre uma avenida passando por cima da história.
É um dos pecados capitais que não se acaba nunca.
ResponderExcluir